Se você acompanhou as redes sociais nesta semana, pode ter visto um grande escândalo envolvendo o iFood: foi apontado que o aplicativo realizou estratégias de marketing com agências de publicidade para sabotar as reivindicações dos seus próprios entregadores.
A denúncia foi feita pela Agência Pública, uma organização de jornalismo independente, no dia 04/04/2022. A reportagem mostra que o iFood contrata as agências para se infiltrar nos movimentos de entregadores e minar o seu alcance.
Foram criadas páginas no Facebook, como a Não Breca Meu Trampo e a Garfo na Caveira, bem como perfis falsos nas redes sociais, visando se passar por entregadores.
Essas páginas e perfis observaram o comportamento, linguagem e pautas da classe e passaram a compartilhar postagens em apoio, ganhando atenção e identificação dos motoqueiros, e também da população.
Em seguida, eram acionadas conforme o movimento que lutava por melhores condições de trabalho ganhavam força. Um grande exemplo foi o Breque dos Apps, que se iniciou em julho de 2020 e vinha ganhando força desde então.
Dessa forma, o público acreditava que os entregadores não compactuavam com as manifestações, quando na verdade, essas mesmas páginas eram administradas e patrocinadas pela própria empresa.
Uma tática da operação foi identificar que a vacinação prioritária era um ponto importante para a classe, e assim passaram a defendê-la dentro de manifestações trabalhistas, online e offline.
Ou seja: aproveitar o movimento que reivindicava condições dignas de trabalho para lançar outra pauta, ganhando atenção da mídia e população, e com isso ofuscar a causa inicial para que a verdadeira manifestação perca força.
Vários perfis falsos foram usados nessa empreitada, e segundo a reportagem, se trata de uma estratégia comum na política. Chamada Astroturfing, a ideia é gerar uma operação nas redes sociais que pareça surgir espontaneamente do público, quando na verdade é organizado por publicitários a mando de uma oposição.
Isso cria uma desconfiança generalizada sobre tudo que consumimos e a forma como as informações chegam até nós. Será que todo comentário nas redes sociais contrário aos movimentos sindicais e de coletivos representa a realidade ou foi criado por marqueteiros para fortalecer ainda mais a imagem de grandes empresas?
Vale ressaltar que a Garfo na Caveira, uma página bastante ativa, fez sua última postagem no mesmo dia em que a reportagem da Agência Pública foi ao ar.
Infelizmente, essa não é a primeira vez que o iFood apresenta movimentações de marketing para mascarar suas falhas. Segundo informações do Money Times e do Intercept Brasil, o aplicativo tem perseguido usuários que avaliaram o serviço negativamente no Reclame Aqui e oferecendo cupons de desconto em troca de boas avaliações.
A narrativa foi confirmada por diversos usuários no Twitter, alegando receberem os tais cupons pouco tempo após reclamar do serviço na rede. Outros receberam mensagens e e-mails de funcionários do aplicativo pedindo para que o seu atendimento fosse bem avaliado.
O Reclame Aqui é um dos principais termômetros para medir a confiabilidade das empresas, e esse episódio revela que mesmo portais de referência podem ser manipulados a todo instante, e o quanto as empresas estão dispostas a pagar para veicular uma imagem que não condiz com a realidade.
E se você pensa que o buraco do iFood termina aqui, ele ainda é mais extenso. A empresa foi condenada pela justiça brasileira a reativar a conta de um entregador que foi bloqueado injustamente, por não ter apresentado provas conclusivas que mostrassem as infrações cometidas.
E ainda, segundo um estudo da Universidade de Oxford, o iFood foi avaliado como uma das piores empresas com relação às condições de trabalho no Brasil e América Latina.
Essa denúncia da Agência Pública serve para nos mostrar o quão perigosa a publicidade se torna quando se utiliza meios fraudulentos para proteger grandes corporações. Deixa de ser uma ciência da comunicação para se tornar uma ferramenta de coerção social, atuando desde questões simples do mercado até desfechos políticos.
Para nós, fica o alerta para a prática do Astroturfing e a conscientização sobre as práticas do app. Existe um movimento nas redes sociais orientando os usuários a não mais fazer pedidos pela plataforma, e sim diretamente pelos estabelecimentos, pois isso aumenta a remuneração dos entregadores e também a segurança do cliente em caso de atrasos e até fraudes no pedido.
O iFood prefere sabotar os coletivos de entregadores e perseguir clientes insatisfeitos ao invés de melhorar seus serviços e remunerações, e isso diz muito sobre a empresa. Nós realmente devemos dar dinheiro e visibilidade para marcas que possuam tais valores?
Resta saber até quando o iFood será considerado um caso de sucesso e empreendedorismo no LinkedIn, ou se vamos abrir os olhos para os escândalos do aplicativo e repensar a adoração que temos por grandes corporações.
Enquanto você defende a integridade de uma empresa, esta pode estar desembolsando uma grande quantia para comprar o seu silêncio e impedir que os próprios colaboradores alcancem condições dignas de trabalho.
Um abraço, e a gente se lê por aí.
Referências
- A máquina oculta de propaganda do iFood | Agência Pública
- iFood é obrigado pela Justiça a reativar conta de entregador bloqueado | Economia | iG
- ConJur – Sem prova de má conduta, Ifood deve reativar cadastro de entregador
- Uber, iFood e 99 tiram nota baixa em estudo de Oxford que avalia condições de trabalho – TudoCelular.com
- Estudo de Oxford afirma que aplicativos brasileiros tiram nota baixa em condições de trabalho – Brasil – Extra Online
- Aplicativos brasileiros tiram nota baixa em condições de trabalho, diz estudo | BBC
- iFood é acusado de ‘subornar’ clientes que o avaliavam mal no Reclame Aqui, alega jornal – Money Times
- iFood comprou críticos com cupons no Reclame Aqui
- Entregadores e motoristas de Uber, 99 e iFood fazem greve nesta terça (29) – Canaltech
- Breque dos APPs: entenda as reivindicações dos entregadores – Revista Esquinas
- Entregadores voltam a parar em segundo ato da ‘breque dos apps’ – Jornal do Comércio